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Primeiras Chácaras e Fazendas | História da Floresta da Tijuca - Parte 2

Continuação da História da Floresta da Tijuca tendo por base os escritos de Raimundo O. Castro Maia, ex-Administrador do Parque, com acréscimo de comentários, gravuras históricas e fotos de locais narrados feitas por mim, criador destas páginas.

Sobre Anotações e Comentários

Sobe o título original de "Histórico", vem propriamente o rico e interessante relato histórico de Castro Maya sobre a Floresta da Tijuca. Os subtítulos foram marcados e colocados por mim (autor do website e editor desta página) para melhor dividir e demarcar por áreas os diversos pontos abordados, como já havia dito anteriormente.

E sobre as guias laterais, nesta página como nas demais desta sequência, onde o texto não se encontra em "itálico" (ou letra inclinada) os comentários são meus, do criador destas páginas.

A Floresta da Tijuca | Histórico

Um Recanto Reflorestado

A menos de vinte quilómetros do centro da cidade encontra-se o mais pitoresco recanto do Rio de Janeiro, que é a Floresta da Tijuca. Ocupa grande área de terra na vertente meridional dos picos da Tijuca e do Papagaio; seus limites partem do Alto da Boa Vista, seguem em ascensão para a Pedra do Conde e os picos citados, e descendo atingem o Açude da Solidão na estrada do açude. Dali defrontam-se com propriedades particulares, até fecharem o círculo no Alto da Boa Vista.

Grande Cascata da Tijuca

Acima gravura da representação de Debret da "Grande Cascata da Tijuca". Esta cascata fica na Estrada das Furnas, e segundo um funcionário do Centro de Visitantes da Floresta da Tijuca, hoje em dia está descaracterizada. No século 20 foi construída uma represa e instalada uma fábrica que funcionou nas imediações por muitos anos.

Casa de Taunay ao lado da Cascatinha

Casa da família de Nicolas Taunay ao lado da Cascatinha que leva seu nome. A casa não mais existe e no local hoje em dia existe uma praça e um restaurante.

Cascatinha por Nicolas Taunay

Cascatinha em óleo sobre tela, de Nicolas Antoine Taunay, representada provavelmente quando adquiriu o sítio. Observe que existia uma antiga ponte em arco, em frente à cascata, que teria sido construída pelo Conde Gestas, antigo proprietário anterior à Taunay. A ponte atual, foi construída por Job de Alcantara em 1865.

Exploração da Floresta da Tijuca em 1848 - Quadro de Félix Emile Taunay

Em 1848, Felix Emile Taunay representou em uma pintura a exploração e desmatamento da floresta, que estava sendo reduzida à carvão. Clique sobre para ampliar e observe do lado direito a extração de madeira e do outro lado esquerdo parte de mata virgem com belezas naturais como quedas d´agua.

O ciclo café no Rio de Janeiro foi iniciado por proprietários franceses. A rotina seguida para exploração da floresta se iniciava com a compra da terra, desmatamento para venda de madeira como carvão, e após terreno "limpo", plantio do café. O auge do ciclo do café no Rio de Janeiro aconteceu na primeira metade do século 19, tendo sido iniciado por proprietários franceses, nobres refugiados da revolução francesa e depois por seguidores de Napoleão Bonaparte, após sua queda.

Desmatamento da Mata Atlântica na primeira metade do século 19 - Rugendas

Cena de desmatamento da Mata Atlântica representada pelo pintor viagente Johann Moritz Rugendas, na primeira metade do século 19.

Colheita de Café, provelmente na Gávea Pequena

Colheita de Café representado por Rugendas, em 1835. Pela vista que se vê ao fundo, este local deve ser na Gávea Pequena, na Serra da Carioca, uma extensão da Floresta da Tijuca, que fica entre o Alto da Boa Vista e Jardim Botânico. O local poderia ser nas imediações do local chamado de Vista Chinesa ou cercanias.

Cascatinha da Tijuca e ponte de 1865

Acima, a Cascatinha da Tijuca vista mais ao fundo, no centro da foto a ponte de Job de Alcantara de 1865. A foto foi tirada de uma pequena praça em um plano inferior, construído por Castro Maya.

Ao invés da quase totalidade das florestas brasileiras esta não é de mata virgem nem se formou espontaneamente, pois foi toda plantada em obediência a um plano de reflorestamento que previa a total cobertura da área para preservação dos mananciais.

Primeiras ocupações e o trabalho da terra

Densa floresta cobria as encostas da Tijuca quando ali chegaram os colonizadores, mas, à medida que a cidade se expandia, os troncos seculares iam tombando aos golpes dos lenhadores, na dupla faina de produzirem lenha e carvão e abrirem áreas ao cultivo de hortas e pomares, e mais tarde, do café. As terras eram despidas da sua primitiva vegetação, ao passo que decrescia o volume dos cursos d'água.

É provável que aquela floresta, de incalculável beleza, permanecesse íntegra durante quase todo o século XVIII, pois as plantações dos sitiantes que abasteciam a cidade ainda se restringiam à orla da zona urbana, em terrenos onde surgiria mais tarde a Cidade Nova.

Diz-se que José Alves Maciel, ao contemplá-la em companhia do Tiradentes, maravilhou-se ao ponto de afirmar ao companheiro sua decisão de tomar parte em um movimento que visava tornar independente a terra em que se admirava tão surpreendente espetáculo (Álvaro Silveira).

Paulatinamente, porém, a região foi sendo dividida e subdividida em fazendas e sítios, graças às boas condições de acesso que ofereciam as encostas da serra. A preferência dos pequenos agricultores deve ter sido também norteada pela abundância de água, que é a principal condição para se cultivar cereais. Diversos riachos desciam, serpenteando, as encostas, e convergiam para o Rio Cachoeira, que tomava o rumo oeste ao atingir o Alto da Boa Vista e desembocava na Lagoa Camurim, banhando terras hoje ocupadas pelo clube de golfe Itanhangá.

Surge o interesse de pessoas abastadas

Efetuada por homens dedicados ao trabalho da terra, a posse se processava, a bem dizer, despercebidamente; mais tarde foi a Tijuca atraindo o interesse de pessoas abastadas, que ali edificaram casas de campo, atraídas pelo encantador cenário e sobretudo pelo clima ameno, que lhes permitia evitarem o rigor do verão carioca sem os inconvenientes de uma longa viagem.

Lembre-se a propósito que àquela época ainda não existiam as cidades de veraneio da Serra dos órgãos. É de supor que tais facilidades atraíssem de preferência europeus inadaptados ao clima, donde encontrarmos uma colônia deles ali residindo, à qual se referem as notícias dos arredores do Rio que na época fizeram alguns visitantes estrangeiros.

Só após haver o pintor Nicolas Antoine Taunay adquirido um sítio fronteiro à Cascatinha da Tijuca e lá fixar residência com sua família, começou a ser citado o recanto como local de grande beleza natural e clima favorável. Nicolas Antoine Taunay chegou ao Brasil em março de 1816, membro preeminente da Missão Artística Francesa que D. João VI, aconselhado pelo Conde da Barca, mandara contratar na França.

Sobre A Missão Artística Francesa

Muito se tem falado sobre a Missão. Entretanto, cabe aqui fazer uma observação que escapou aos comentaristas. O início das suas atividades mostrava-se promissor. Pouco depois da chegada e da apresentação dos artistas ao Regente, levados pelo Conde da Barca, falecia a Rainha Dona Maria I e logo foram eles chamados a preparar a parte decorativa das cerimónias fúnebres.

Passado o período do luto realizaram-se duas grandes celebrações: a aclamação de D. João VI como monarca do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e o casamento do herdeiro do trono, D. Pedro, com a Arquiduquesa Leopoldina, filha do Imperador Francisco I da Áustria. O Conde da Barca aproveitou estes eventos para mostrar o talento dos artistas que o Marquês de Marialva conseguira reunir na França, e a eles coube projetar a ornamentação dessas importantes cerimónias.

Simultaneamente estudavam o projeto do Palácio da Academia das Belas Artes que deveria dar início aos serviços para os quais tinham sido contratados. Inesperadamente, porém, em junho de 1817, pouco mais de um ano após a chegada da Missão, falecia o seu protetor, Conde da Barca.

Começaram então as intrigas, a ciumada dos artistas portugueses; qualquer providência era protelada indefinidamente. Parece que diante desta situação os artistas também se desentenderam entre si; tanto é assim que cada um foi morar no seu canto. O chefe da Missão, Joachim Lebreton, ficou no Flamengo, Debret em Catumbi, Grandjean de Montigny na Gávea e os Taunay no Alto da Tijuca.

É fácil imaginar o que representava, no início do século XIX, uma viagem da Gávea à Tijuca: o único meio de transporte para galgar a serra era o cavalo, uma viagem de Montigny aos Taunay levava um dia inteiro. . .

Deduz-se daí que os artistas franceses não mantinham no Rio a união que seria de esperar. Outra prova está no precioso documentário que adquiri em 1939, na França: em todo o acervo de J. B. Debret não figura uma só aquarela ou desenho da Cascatinha da Tijuca, apesar de ser ele um companheiro de missão de Taunay; no entanto retratou diversas vezes a Cascata Grande abaixo das Furnas, conforme pode ser visto na Fundação Raymundo Ottoni de Castro Maya.

Sítio de Nicolas A. Tauany e a Descoberta da Cascatinha

Mas, voltando à Floresta: sua história começa portanto com o sítio que, a instâncias de seu filho Carlos, Nicolas Antoine Taunay adquiriu no Alto da Tijuca, nele construindo um rancho de palha que mais tarde foi transformado na casinha fronteira à Cascatinha, como se vê nas gravuras de Rugendas, Fisquet, Arago. . .

Como até então nunca se ouvira falar na cascata é de presumir que ela deveria estar encoberta pela mata, e só quando se abriu a clareira apareceu em toda a sua beleza; justifica-se portanto o nome que lhe foi dado, de Cascata Taunay.

Moradia e Fazenda de Nobres Europeus durante o Ciclo do Café

Nas imediações formara-se uma concentração de nobres franceses que se dedicavam principalmente à cultura do café. Seus sítios estavam situados ao longo do rio Cachoeira. Acima da Cascatinha ficava a Baronesa de Rouan, abaixo -na garganta que dá para leste - o Príncipe de Montbéliard, do outro lado o Conde de Scey, o Conde de Gestas e a Senhora de Roquefeuil.

Num quadro de Taunay que meu pai adquiriu no leilão do espólio de Arago em Paris em 1892 e que hoje se encontra na Fundação Raymundo Ottoni de Castro Maya, pode-se ter uma ideia do que era a vida naquele local no princípio do século XIX. Os nobres expatriados - bonapartistas - guardavam a tradição, montavam a cavalo, de casaca vermelha, e as senhoras vestiam-se com muita elegância. São provavelmente alguns deles que Taunay retratou no quadro (v. Pr. 5).

Todos dedicavam-se ao plantio do café bourbon, que dava muito bem na região: ao fim de três anos já começava a frutificar e com seis estava em plena produção. Foi uma das razões que provocaram a devastação das matas em todas as cercanias da cidade.

As mudas de café que o Sargento-Mor Palheta trouxera da Guiana Francesa foram plantadas em Belém do Pará mas não se deram muito bem. Transportadas para o Rio resultou aqui encontrarem condições ideais nas encostas da serra da Tijuca.

Não eram somente os franceses acima citados que se dedicavam à sua cultura: na outra vertente hoje denominada Gávea Pequena, o Sr. Lecesne, associado ao Duque de Luxemburgo, tinha uma grande plantação, cerca de 60 000 pés; a sede da sua fazenda foi mais tarde adquirida pelo Dr. Thomás Cochrane e hoje pertence à Senhora E. G. Fontes. Ao lado havia outra, denominada Nassau, do holandês Van Mook, e para o lado do Corcovado, perto do Silvestre, existia a fazenda New-Syon, do General Conde de Hogendorp, também holandês, que ocupara postos elevados no seu país. Era homem de confiança e oficial do Estado-Maior de Napoleão, tendo exercido o cargo de governador da Silésia e de Hamburgo, em cujo desempenho foi acusado de proceder com rudeza. Dedicado de corpo e alma ao imperador, o acompanhou fielmente na fase final da sua carreira, e após a derrota de Waterloo resolveu exilar-se no Brasil e aqui montou uma fazenda de café.

Quase todos os viajantes que aportaram naquela época referem-se a Hogendorp; era pelos Taunay chamado o "Ermitão do Corcovado" onde faleceu em 1830. Ainda existe sua casa na Ladeira do Ascurra, é hoje de propriedade do governo.

A Tijuca foi, assim, o marco inicial do ciclo do café no nosso país. Dali se propagaram as plantações para a Província do Rio de Janeiro e penetraram em São Paulo subindo pelo vale do Paraíba, de onde se irradiaram para toda a região cafeeira do Sul.

É curioso que nada se saiba a respeito da desagregação da colónia bonapartista: apenas que o Conde Gestas (cônsul da França) pereceu afogado quando a embarcação em que viajava a Niterói foi colhida por súbito temporal.


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Referências

  • A Floresta da Tijuca, de Raymundo Ottoni de Castro Maya (Autor dos textos em "itálico")
  • Inventário dos Bens Culturais do Parque Nacional da Tijuca, Estado do Rio de Janeiro, de autoria do Ministério do Meio Ambiente
  • Diversos livros sobre a história e iconografia do Rio de Janeiro