Malhação do Judas
A Malhação do Judas no Sábado de Aleluia é uma antiga tradição que sobrevive nos dias de hoje. Em tempos passados, como na época de D.João VI e D.Pedro I era mais ritualizada e cenográfica.
Nesta página uma descrição deste episódio em tempos remotos, feita por Debret, juntamente com gravuras da mesma época, que representam este estranho "espetáculo".
O Judas no Sábado de Aleluia
O textos abaixo, que estão em itálico, são de Debret. Os demais são comentários, meus, que disponibilizei esta página. Nas palavras abaixo, ele comenta que, este tipo de sentimento constrante dos paises meridionas do velho continente, também está presente no Brasil. Ou seja, a malhação é uma tradição que já acontecia na Europa.
E através do texto, podemos constatar que a malhação era bem mais festiva e cenográfica que nos tempos atuais, inclusive com uso de fogos de artifício. Até costureiros e fogueteiros eram pagos para confeccionar o boneco e preparar os fogos.
O sentimento dos contrastes, que fecunda tão marcadamente o génio dos povos meridionais da Europa, encontra-se igualmente no brasileiro, caracterizando-se pela capacidade de fazer suceder ao espetáculo lamentável das cenas da paixão de Cristo, carregadas processionalmente durante a quaresma, o enforcamento solene do Judas no sábado de Aleluia.
Compassiva justiça que serve de pretexto a um fogo de artifício queimado às dez horas da manhã, no momento da Aleluia, e que põe em polvorosa toda a população do Rio de Janeiro entusiasmada por ver os pedaços inflamados desse apóstolo perverso espalhados pelo ar com a explosão das bombas e logo consumidos entre os vivas da multidão! Cena que se repete no mesmo instante em quase todas as casas da cidade.
Sinos e Salva de Canhões anúnciavam o enforcamento do Judas
E' ao primeiro som de sino da Capela Imperial, anunciando a ressurreição do Cristo e ordenando o enforcamento do Judas, que esse duplo motivo de alegria se exprime a um tempo pelas detonações do fogo de artifício, as salvas da artilharia da marinha e dos fortes, os entusiásticos clamores do povo e o carrilhão de todas as igrejas da cidade.
E' preciso confessar que essa oportunidade de um contraste tão marcado, tirado de um mesmo objeto e que, terminando devotamente a quaresma, apaga no espaço de dez minutos, de um modo igualmente engenhoso, a austeridade de suas formas, constitui o triunfo da imaginação num povo vivo e infinitamente impressionável.
A preparação do bonece do Judas
Passando aos preparativos da cena, vemos a classe indigente (mais pobres), que se presta facilmente às ilusões, armar um Judas enchendo de palha uma roupa de homem a que se acrescenta uma máscara com um boné de lã para formar a cabeça; algumas bombas colocadas nas coxas, nos braços e na cabeça servem para deslocar o boneco no momento oportuno. Uma árvore nova trazida da floresta faz as vezes de uma forca económica, e o povo do bairro sente-se satisfeito. Observe-se que é de rigor fazerem-se esses preparativos durante a noite, a fim de estar tudo pronto pela manhã.
Nos bairros comerciais a ilusão é mais completa mas também mais dispendiosa. Os empregados se cotizam para mandar executar, pelo costureiro e fogueteiro reunidos, uma cena composta de várias peças grotescas, aumentando consideravelmente o divertimento sempre terminado com o enforcamento do Judas pelo Diabo que serve de carrasco; "nec plus ultra" da ficção poética e da imitação dos movimentos do grupo das duas figuras, cujos balanços e oscilações são provocados e variados pelo arrebentar dos foguetes que os consomem finalmente, excitando a última bomba o mais ruidoso entusiasmo.
Proibição Temporária Após a Vinda da Corte Portuguesa
Graças a um concurso de circunstâncias, vimos ressurgir, na quaresma, esse antigo divertimento caído em desuso há mais de vinte anos, ou melhor, proibido no Brasil desde a chegada da Corte de Portugal, sempre desconfiante dos ajuntamentos populares.
O temor é perfeitamente justificável ante a aproximação das novas constituições liberais, pois três dias antes de minha partida do Rio de Janeiro, no sábado de Aleluia de 1831, viu-se nas praças da cidade um simulacro do enforcamento de alguns personagens importantes do governo, como o ministro intendente geral e o comandante das forças militares da polícia.
Liberação e Até "Regulamentação" Posterior
Posteriormente, a liberdade favoreceu o desenvolvimento aparatoso desse divertimento que permaneceu, é preciso dizer, absolutamente estranho às alusões políticas e unicamente adstrito ao talento do fogueteiro e do costureiro. E seus progressos foram tão rápidos que, em 1828, época mais brilhante desse divertimento renascente, um edital da polícia induzia o fogueteiro à maior economia, a fim de prevenir prudentemente os incêndios, sobretudo nas pequenas ruas, e censurava ao mesmo tempo os cidadãos pelo abuso de despesas tão frívolas e vergonhosas para seu patriotismo. A censura deu resultado e as despesas foram moderadas.
Bonecos, Efeitos Teatrais e Fogos de Artifício
Quanto ao detalhe, as peças de que se compõe o fogo de artifício são pequenos grupos de figuras grotescas, engenhosamente fabricadas com simples folhas de papel coladas e coloridas, sempre fixadas a um pequeno tabuleiro girando horizontalmente. A figura indispensável, capital, é a do Judas, de blusa branca (pequeno dominó branco de capuz, usado pelos condenados); suspenso pelo pescoço a uma árvore e segurando uma bolsa suposta cheia de dinheiro, tem no peito um cartaz quase sempre concebido nestes termos: eis o retraio de um miserável, supliciado por ter abandonado seu país e traído seu senhor. Um Diabo com formas e face tenebrosa, a cavalo sobre os ombros da vítima, faz as vezes de carrasco e parece apertar com o peso de seu corpo o laço que estrangula o condenado.
Mais engenhoso ainda é o Diabo amarrado pela cintura, de modo a escorregar pela corda do Judas, e suspenso três ou quatro pés acima da cabeça do boneco por meio de uma outra corda que se distende repentinamente em consequência do estouro de uma bomba e deixa cair o carrasco a cavalo em cima do pescoço da vítima.
Esse efeito teatral, extraordinário, imita perfeitamente a pantomima do enforcamento, prolongada durante longo tempo, apresentando o espetáculo de um horrível grupo agitado sem cessar, entre turbilhões de fumaça, pela detonação dos petardos encerrados dentro dos dois manequins. Tudo termina afinal com uma última explosão que lança para todos os lados mil parcelas inflamadas logo reduzidas a cinzas (Veja comentário em nota no final da página).
Imagine-se essa obra-prima do fogueteiro suspensa a quarenta ou cinquenta pés de altura (12 à 15 metros) a uma árvore colossal, cujos galhos guarnecidos de fitas a coroam vinte pés mais alto e ter-se-á uma ideia dessa cena imponente que provoca, não sem certa razão, os clamores de alegria do povo apinhado nas ruas e os aplausos dos espectadores dos balcões.
Comentário | Nota: Como o tema religioso consiste em fazer do Diabo um perseguidor e criminoso, o dragão que acende o fogo é sempre uma serpente alada que pula do pedestal de um Lúcifer, suposto ordenador da execução do suplício e que também se queima no fim. Reproduzo dois grupos desses belos fogos de artifícios, com essa diferença, entretanto, que no mais complicado dos dois, naquele em que o Diabo cai em cima do Judas, o costureiro se mostrou imitador mais fiel na representação do Diabo (carrasco todo acorrentado como se vê nas execuções judiciárias).
Cenas da Malhação do Judas por volta de 1831
Abaixo duas gravuras que representam a malhação do Judas, feitas em decorrência de cenas presenciadas por Debret no Rio de Janeiro. Debret se impressionou com o espetáculo que envolvia fogos de artifício e até efeitos teatrais.
A imagem acima, do lado esquerdo, mostra os bonecos e efeitos teatrais planejados pelos costureiros, fogueteiros e demais organizadores do evento. Do lado direito, muitas pessoas assistem ao evento, muito próximo à uma igreja. Observe que os bonecos de Judas aparecem com um saco de dinheiro na mão e placas penduradas no pescoço.
Referências
- Comentários do autor desta página.
- Relatos em "itálico" e ilustrações de Jean Baptiste Debret, do Livro Viagem Pitoresca ao Brasil, de 1830, traduzido por S. Millet.