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Academia Real de Belas Artes e sua História no Rio de Janeiro

Após a vinda de D.João VI juntamente com a corte Portuguesa, muitas artistas francesas foram contratados e vieram ao Brasil em missão para fundar uma Academia Real de Belas Artes nos moldes da Francesa. Boa vontade, dificuldades, política, intrigas e sucessos fizeram parte desta empreitada descrita por Jean-Baptiste Debret que se esmerou participando da criação mesma.

As Bases da Arte e Arquitetura Acadêmica descritas por Debret

Jean-Baptiste Debret, um pintor de história, veio para o Brasil na primeira metade do século 19, como membro integrandte da assim chamada "Missão Arstística Francesa". Ainda no tempo de D.João VI sua missão como a dos demais integrantes, era fundar uma Academia de Belas Artes nos moldes da Academia Francesa.

A figura acima mostra uma gravura da antiga fachada da academia, projetada por Grandjean de Montigni, também pertencente ao grupo veio com Debret. O edifício da academia acabou demolido no século 20 para dar lugar à fúria devastadora do chamado progresso. Parte da fachada foi preservada e transladada para o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, se encontrando como relíquia artística e arquitetônica do Neoclassissismo no Brasil.

O que é a Acadêmia Real de Belas Artes nos dias de Hoje?

Após a volta de D.João VI para Portugal, e após a independência do Brasil proclamada por D.Pedro I, a instituição passou a se chamar "Academia Imperial de Belas Artes", já que D.Pedro I passou a usar o título de Imperador ao invés de Rei.

A antiga Academia Real de Belas Artes, fundada por Carta Régia (Decreto Real) de 23/11/1815, ensinava as chamadas belas artes, que incluia desde desenho, pintura e escultura, como também o ensino de arquitetura.

Nos dias de hoje a antiga Academia Real de Belas Artes é Escola de Belas Artes da UFRJ e FAU-UFRJ ou Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Quem vós escreve estudou por cerca de dois anos e meio na FAU no início dos anos 80, não tendo completado meu curso de arquitetura. Entretanto me lembro que, nos históricos escolares, vinha escrito "...por Carta Régia de 23/11/1815.

Debret descreve sua experiência na Academia

Os textos em itálico, que apresento abaixo, é um relato que faz parte do livro de Debret, "Viagem Pictoresca e Histórica ao Brasil", lançado em Paris, quando de seu regresso à França. Tradução de S. Milliet.

Debret colocou todo o texto sob o título, "História da Academia de Bels Artes". Entretanto, aqui faço alguns comentário com o decorrer da leitura, e também dividí o texto didaticamente, acrescentando subtítulos.

"História da Academia de Belas Artes"

Inicialmente, Debret fala da chegada de D.João VI, da idéia de criar uma academia, e do grupo de artistas franceses convidados à ver para o Brasil, grupo este que passou a ser chamado pelos estudios do assunto de "Missão Francesa no Brasil".

Joachim Lebreton reúne um grupo de artistas na França

A Corte de Portugal chegou ao Rio de Janeiro em 1808 e o desejo de aí se fixar determinou, oito anos depois, a fundação do reino do Brasil. Nessa ocasião o senhor marquês de Marialva, embaixador português na Corte de França, e residindo em Paris, entendeu-se, em 1815, com o senhor conde da Barca, então ministro das Relações Exteriores no Rio de Janeiro, no sentido de criar uma Academia de Belas Artes, no modelo da de França. Conseguintemente, em fins do mesmo ano, o senhor Lebreton, secretário perpétuo das classes de belas artes do instituto de França, obtendo uma licença, foi encarregado pelo governo português de reunir alguns artistas franceses de diferentes géneros, que se dispusessem a acompanhá-lo ao Brasil, afim de constituir o núcleo da academia. Esse grupo compôs-se dos senhores J. B. Debret, pintor de história, aluno de David; A. Taunay, membro do Instituto, pintor de paisagens e quadros de género, que embarcou com a sua família; Augusto Taunay, escultor, irmão do presidente; A. H. V. Grandjean de Montigny, arquiteto, que levou consigo a sua família e dois alunos; Simão Pradier, gravador; Francisco Ovide, professor de mecânica; e Francisco Bomrepos, ajudante do senhor Taunay. O senhor Newcom, compositor, veio com o duque de Luxemburgo, embaixador extraordinário da Corte de França no Rio de Janeiro.

Apresentação à Corte no Brasil e Concessão de Rendimentos

O embaixador português entregou ao senhor Lê Breton a importância de dez mil francos para o pagamento das passagens dos artistas franceses, os quais, partindo de França em Janeiro de 1816, chegaram ao Brasil no começo do mês de Março do mesmo ano, esperados ansiosamente pelo ministro, conde da Barca, que os apresentou à Corte onde foram bondosamente acolhidos . Ficaram todos provisoriamente hospedados a expensas do governo. No mesmo ano, um decreto real assinado pelo marquês de Aguiar, ministro do Interior, concedeu vencimentos de cinco mil francos para cada um dos artistas, a título de pensão alimentar com a obrigação, entretanto, para eles, de ficarem no Brasil pelo menos seis anos, afim de participarem da organização da academia. Os honorários do senhor Lebreton foram fixados em doze mil francos, na qualidade de diretor (título que ele aceitou provisoriamente, prevendo sua próxima destituição do Instituto de França, o que se deu de fato pouco tempo depois).

Acontecimentos Políticos e Cenários Comemorativos Grandiosos

Por ocasião de nossa chegada ao Brasil, acabava de falecer D. Maria I, rainha de Portugal, mãe de D. João VI, então príncipe regente e que devia suceder-lhe na qualidade de herdeiro presuntivo da coroa. Por esse motivo o governo já se ocupava dos projetos de festas relativas à circunstância e que por conveniência política deveriam não somente servir à aclamação do soberano do novo reino unido de Portugal-Brasil e Algarves mas ainda ao casamento do príncipe real D. Pedro, seu filho, com uma arquiduquesa de Áustria; e o conde da Barca, desejoso de utilizar os artistas franceses, encarregou-os da composição e da execução dos cenários dessa cerimónia solene.

Chagada de mais artistas e construção do edifício da Academia

Nesse meio tempo chegaram os dois irmãos Ferrez, escultores franceses e discípulos de Roland, membro do Instituto de França, ambos estatuários e peritos de decoração e gravação. Foram eles empregados, inicialmente, como ajudantes do senhor Taunay, mas seus talentos os tornaram logo pensionistas do Rei.

Fotos e gravura do edifício da Academia

Edifício da antiga Academia Real de Belas Artes no Rio de Janeiro, visto em três diferentes épocas

Acima o edifício da Academia Real de Belas Artes, projetado por Grandjean de Montigny, visto em três diferentes épocas. Na imagem de baixo, o aspecto do edifício em 1826, quando contava somente com o andar térreo por medida de econômia. De acordo com o projeto original, deveria ter dois andares, sendo o segundo destinado à residência dos professores. Na imagem da direita, vista mais acima, aparece com um segundo andar acrescentado. E na imagem do lado esquerdo, também mais acima, o edifício é visto em sua última aparência, antes da demolição, com alguns acréscimos "toscos" configurando um terceiro pavimento. Ao lado a continuação do relato de Debret.

Após a apresentação dos artistas à Corte, o conde da Barca encomendou ao arquiteto Grandjean o projeto de um palácio para a Academia de Belas Artes, projeto que foi aceito pelo Rei, e iniciaram-se imediatamente os alicerces desse edifício, confiado à proteção especial do ministro das Finanças, Barão de São Lourenço. Infelizmente, perdemos o conde da Barca no mês de Junho de 1816, tendo o nosso protetor morrido sem apreciar a terminação dos preparativos das festas que só se realizaram no ano seguinte. Mas o ministro das Finanças ficava encarregado da construção do palácio; ademais esse ministro, todo poderoso, honrava o senhor Lebreton com sua estima e amizade particular. A construção continuou pois, sem interrupção, mas muito lentamente (durou dez anos). Em 1826, somente o andar térreo estava acabado, quando de acordo com o projeto deveria ter dois andares destinados à residência dos professores. Entretanto o edifício foi reduzido a um simples andar térreo por medida de imediato aproveitamento e economia.

Obras particulares e afastamento de Lebreton

Durante a construção do palácio da academia, os artistas dedicaram-se a obras particulares. O pintor de história, entretanto, fez o retrato do Rei, de corpo inteiro, e com o traje da Aclamação; o quadro passou imediatamente para as mãos do gravador Pradier, o qual, depois de fazer a água-forte, obteve do Rei autorização para regressar à França afim de terminar a gravura a buril, porque no Brasil não havia ainda impressor e nem mesmo papel conveniente. O mesmo pintor, senhor Debret, executou em seguida o quadro do desembarque da Arquiduquesa no Brasil, igualmente gravado por Pradier. Utilizou-se o pincel desse pintor de história nos cenários das representações teatrais a que assistia a Corte em diversas épocas do ano (ref1 nota 1 ).

Entretanto, o senhor Lebreton, acabrunhado com a morte do conde da Barca e com algumas intrigas feitas em torno de sua pessoa, aborreceu-se na cidade e foi morar na Praia do Flamengo. Aí viveu retirado, ocupando-se de uma obra de literatura, até o seu falecimento, em Maio de 1819.

Academia Imperial de Belas Artes em 1885 e atualmente

Acima, do lado esquerdo foto do edifício neoclássico da academia, por volta de 1890, após a Proclamação da República. Observe entre as três colunas do segundo pavimento as palavras "Pintura", "Architectura" e "Sculptura". Sob a porta de entrada o texto "Escola Nacional de Bellas-Artes". O projeto do edifício é de Grandjean de Montigny e os relevos são de Zepherin Ferrez. Do lado direito, o portal retirado do edifício demolido, e preservado no Jardim Botânico do Rio, onde se encontra atualmente. Abaixo a continuação do texto histórico de Debret.

Artistas franceses se sentem insultados e desmotivados com novo diretor

Os artistas, privados então de seu diretor, ficaram apenas com o apoio do ministro das Finanças, pois em geral os outros membros do governo pouco se interessavam por um estabelecimento que não existia em Portugal. Foi quando, percebendo a vaga resultante da morte do senhor Lebreton, o barão de São Lourenço se lembrou de um protegido, artista português, que vegetava em Lisboa, pintor medíocre e pai de numerosa família. Fê-lo vir ao Rio de Janeiro e graças a um projeto de organização da academia, redigido à nossa revelia e apresentado apressadamente pelo ministro do Interior ao Rei, nomeou-o professor de desenho e diretor das escolas (ref2 nota 2). Esse mesmo projeto outorgava-lhe um secretário português em substituição ao nosso, destituído sem motivo.

Aqui começam as intrigas portuguesas contra os académicos franceses, inevitável consequência da introdução inconveniente de dois portugueses no corpo académico composto essencialmente de franceses (ref3 nota 3); o erro foi reconhecido pelo ministro, após a nossa instalação, mas já nesse momento nosso colega, Taunay, membro do Instituto, resolvera prudentemente voltar para a França.

Incertezas, retorno da corte para Portugal e intrigas políticas interferem com o ensino e currículum

O ministro do Interior, Tomaz António, confiando no barão de São Lourenço, ignorava absolutamente essa intriga e, depois de ter feito o Rei assinar o decreto de organização da academia, ficou muito espantado de só encontrar no projeto apresentado pelo diretor elementos de um curso de desenho a exemplo do de Lisboa. Revelando sua surpresa a Grandjean, nosso arquiteto, pediu-lhe que perguntasse a cada um de nós os detalhes da organização de nossos cursos, afim de remediar a imperfeição do trabalho do diretor antes da entrada em vigor do regulamento (ref4 nota 4).

As informações entregues ao Primeiro Ministro poucos dias depois, passaram oficialmente às mãos do diretor, mas este evitou executar pontualmente as ordens recebidas, que transtornavam para sempre seus projetos hostis; e, confiando no tempo, manteve-se na mais completa inação, evitando a presença do ministro até o mês de março de 1821, em que ocorreu a partida da Corte e do Primeiro Ministro para Lisboa. Durante esse tempo os dois intrusos portugueses, por meio de astuciosas confidências, procuraram desanimar-nos dizendo que bem sabiam que o governo, dia a dia menos apreciador das belas artes, parecia dever contentar-se com uma simples escola de desenho, suficiente em verdade para um país novo como o Brasil; por outro lado, desmoralizavam-nos junto aos membros do governo, com calúnias de todos os géneros, assustando-os com o exagero das despesas de nossa futura instalação. O barão de São Lourenço deixou o Brasil e nós perdemos assim o protetor.

D. Pedro I proclama a Independência e a Academia ganha novo impulso

Mas um novo movimento político, provocado pela partida da Corte, mudou o destino do Brasil e D. Pedro, príncipe regente, foi coroado Imperador no ano seguinte. O diretor, novamente apavorado com a circunstância favorável às artes, viu, sem nada poder modificar desta feita, a pintura, a escultura, a arquitetura e a gravura de medalhas, praticadas por professores franceses, rivalizarem entre si para maior glória nacional.

Tínhamos, então como Primeiro Ministro, José Bonifácio de Andrada, patriota brasileiro, esteio do trono imperial, protetor das artes, amigo dos franceses e partidário da instalação de nossa academia. Nosso diretor, desesperado, arrastado pelo movimento, fingiu o mais sincero interesse e, valendo-se de seu título, obteve o favor de pintar o retrato do ministro; mas encontrando nele um sábio europeu, refreou prudentemente suas manobras no sentido de multiplicar as dificuldades de nossa dispendiosa instalação e limitou-se a um adiamento provisório, como paliativo.

Mas a crise era decisiva e, tendo esse ministro erudito posto em concurso programas de reformas úteis e gloriosas, na luta (em que o título do diretor se viu constantemente comprometido pela sua mediocridade) os talentos variados dos professores franceses realizaram as esperanças dos brasileiros.

Debret indisposto com o diretor toma iniciativas

Entretanto, algumas confidências indiscretas escapadas aos nossos intrigantes, acerca de sua ideia fixa de liquidar com a nossa academia, me esclareceram. Repugnando-me porém regressar à França, após oito anos de residência no Brasil, sem ter alcançado o objetivo de minha missão, resolvi, afim de deixar ao menos vestígios de nossa utilidade, solicitar do Imperador a concessão provisória de um dos "ateliers" já disponíveis da Academia, afim de executar um quadro de grandes dimensões representando a cerimónia de sua coroação e ao mesmo tempo iniciar a educação pictórica de sete indivíduos, já dedicados à arte, e que desejavam ardentemente aproximar-se de mim para ter as noções teóricas cuja necessidade compreendiam. Para evitar quaisquer despesas, limitei-me a solicitar a simples posse da chave do local desocupado.

Minha dedicação foi acolhida com satisfação pelo Imperador e os dois Andradas, ministro do Interior e ministro do Tesouro respectivamente. Entretanto, parece incrível, essa vontade unânime e soberana foi paralisada durante mais de seis meses pelas hábeis manobras do nosso ardiloso diretor, cuja orgulhosa mediocridade se achava sempre em perigo (ref5 nota 5). Os alunos, desesperados com a indecisão, já se achavam dispostos a alugar um local para servir de escola, quando um golpe de estado derrubou, repentinamente, o ministério e deu a pasta do Interior a Carneiro de Campos, brasileiro e protetor das ciências (ref6 nota 6).

Sem perda de tempo, um dos jovens alunos explicou os motivos de sua ansiedade ao novo ministro, o qual deu imediato despacho favorável ao meu requerimento; só restava procurar o depositário da chave. Qual não foi a surpresa dos alunos ao saberem que se encontrava nas mãos de nosso silencioso diretor (ref7 nota 7). Acuado, o astucioso hipócrita soube, ao entregá-la, fingir lamentar ter ignorado tudo o que se passara com referência à minha solicitação.

Colocados assim sob a proteção imediata do soberano, o zelo e os progressos dos alunos erguiam uma primeira barreira inexpugnável às intrigas da má fé do diretor, privado até então de poderes legalizados pela assinatura de um ministro (ref8 nota 8).

O secretário, mostrando-se mais esperto e menos insolente, sentia-se comprometido com o exagero das calúnias. Mas isso tudo não passava do prelúdio das atribuições que iriam assaltar, dia a dia mais, os nossos dois detratores; Carneiro de Campos passou a ocupar outro cargo e João Severiano, Marquês de Queluz, brasileiro muito culto, então ministro do Interior, foi o primeiro a enxergar através de suas vergonhosas fisionomias e a deslindar suas intrigas (ref9 nota 9).

Enfim a Academia segue em frente com sucesso apesar das disputas

Convocou ele, com efeito, uma reunião geral dos acadêmicos, presidida por ele próprio em sua casa e na qual nos foi determinado que apresentássemos no menor prazo possível um projeto de organização completa, o qual lhe foi submetido no fim do mês seguinte. Mas entre as mãos do diretor, o projeto perdeu-se do mesmo modo que as nossas primeiras observações solicitadas por Tomaz António.

Entretanto, o diretor via com desespero os progressos de minha classe em plena atividade, bem como do projeto de instalação das sete classes, pois a partir desse momento os ministros que se sucederam ocuparam-se todos da abertura da Academia, sempre entravada pelas manobras do diretor e do secretário. O ministro Rezende, barão de Valença, que sucedeu ao marquês de Queluz, mandou continuar as salas de estudo e finalmente o ministro visconde de São Leopoldo, presidiu a instalação da Academia, que se realizou a 5 de Novembro de 1826.

S. M. I. D. Pedro I (Sua Magestade Imperial D. Pedro I) assistiu a essa inauguração, no fim da qual o ministro apresentou-lhe uma medalha de ouro cunhada para esse fim e gravada inteiramente por Zephirin Ferrez, gravador de medalhas e pensionista da Academia.

Graças a dois anos de estudos antecipados, a classe de pintura apresentou ao público, no dia da abertura da Academia, uma exposição muito interessante, que impressionou pelas produções tão perfeitas quão variadas, pois constituía-se de diferentes géneros, retratos, paisagens, marinhas, arquiteturas, animais, flores e frutas.

Persistindo na sua primeira ideia, sem entretanto conseguir evitar as sete classes de que se compunha a Academia, de acordo com o projeto dos professores, o diretor valeu-se de um último ardil para pelo menos paralisar-lhes a atividade no momento da inauguração: com a ajuda da retórica astuciosa de seu secretário, persuadiu o ministro de que, em um país novo em matéria de arte, era prudente abrir unicamente o curso de desenho, como introdução necessária aos outros cursos, o que dava ao curso de desenho o privilégio da matrícula dos alunos obrigados a seguirem aulas preparatórias de desenho durante cinco anos.

Justo em princípio, esse argumento era falso na aplicação, pois anulava a atividade das outras classes, devendo, naturalmente, desgostar os professores e talvez provocar a sua demissão por inúteis. Era essa a ideia fixa de nosso perseguidor português. Mas o êxito da classe de pintura punha os jovens pintores já formados acima dessa lei adicional, que não podia ter efeito retroativo, e o golpe falhou. O ministro foi aliás o primeiro a infringir a autoridade do diretor, mandando matricular-se na minha classe um de seus jovens parentes, Araújo Porto Alegre, dotado das mais felizes qualidades e que já vencera todas as dificuldades do desenho durante três anos de estudos em minha classe.

Este exemplo de rapidez e de progresso deu lugar a inúmeras representações dirigidas aos diferentes ministros que se sucederam, provocando a matrícula ilegal de alunos.na minha classe, que assim se manteve brilhantemente durante os três primeiros anos da instalação, ao passo que o curso de desenho, no mesmo período, não produziu nenhum desenhista capaz de seguir os altos estudos.

Por mais estranho que pareça, a ideia do diretor era desencorajar na sua classe os melhores alunos, por meio de cópias repetidas à saciedade, de modo a revoltá-los e a justificar a sua expulsão como insubordinados, conservando alguns medíocres copistas, pouco desejosos ou incapazes de passar para os outros cursos. Esperava ele assim provar ao governo que ainda não se estava na época de contratar inúmeros professores sem alunos.

Exposições públicas com trabalhos do Acadêmicos

Ao contrário, constante esteio dos êxitos da Academia, usei eu de meu direito de professor e da boa vontade do Imperador no sentido de realizar anualmente uma exposição pública, o que foi posto em execução pelo ministro José Clemente, que destruiu todos os projetos de nosso mesquinho diretor, homem cruel por vaidade mal entendida.

Esse honroso incentivo alimentou o progresso do estudo nas classes de pintura e arquitetura, que produziram as duas belíssimas exposições de 1829 e 1830, cujos catálogos impressos a expensas do professor de pintura foram distribuídos gratuitamente nas salas (ref10 nota 10), sendo dois exemplares depositados na Biblioteca Imperial do Rio de Janeiro (ref11 nota 11). Nessas exposições a classe de desenho dirigida pelo diretor provou o mau gosto de sua escola e, desmoralizada, sucessivamente, de ano em ano, viu matricular-se apenas um aluno em 1831.

Após esse sucesso só nos restava vencer ainda o obstáculo da privação do direito de matricular os alunos diretamente nas nossas classes (obstáculo que os impedia de receber prémios); mas, de cambulhada com as novas nomeações e os acontecimentos políticos, nossos requerimentos mal conseguiam chegar às mãos dos ministros, os quais não tinham tempo sequer de despachá-los.

Debret retorna à França no início do Período Regencial

Entretanto, em fins de 1830, o interesse da Assembleia Nacional fez com que se intimasse o diretor a entregar as reclamações parciais de cada um dos professores da Academia de Belas Artes; não me foi permitido porém ver os resultados, pois, em 1831, apresentando três alunos de minha classe, que já se haviam distinguido em quadros de história, e sentindo alterar-se a minha saúde, solicitei da regência autorização para regressar por algum tempo à minha pátria, após quinze anos de estadia no Brasil, e obtive uma licença de três anos, posteriormente prolongada por motivos justificados. Deixei por conseguinte minha classe, a qual, durante minha ausência, foi dirigida por meu assistente e aluno Simplício Rodrigues de Sá, excelente retratista.

Tempos depois, Debret se sente realizado e solta farpas contra opositor e detratores

Vim a saber, posteriormente, que as observações dos professores, dirigidas à Assembleia, provocaram reformas provisórias em 1832, que melhoraram os estudos nas altas classes (refência 12 nota 12 | Obsrvação: Nesta referência, Debret fala do triste fim de seu desafeto secretário e desta vez usa de eufemismo para falar sobre seu desapreço aos dotes artísiticos e acadêmicos do diretor).

Em resumo, a constante firmeza por mim desenvolvida, em meio às intrigas contra a nossa academia, tinha por fim provar ao governo que o gênio brasileiro, preciosamente dotado para o cultivo das belas artes podia e devia produzir, indiscutivelmente, uma escola capaz de um paralelo vantajoso com as que florescem na Europa, asserção esta confirmada por todos os estrangeiros que vieram visitar nossas duas exposições públicas.

Só me resta, para terminar a história da Academia, desincumbir-me do dever muito agradável de registar aqui os nomes dos alunos fundadores que ilustraram sua instalação, a 5 de novembro, com uma interessante exposição de suas obras, fruto admirável de dois anos de estudos."